Incidente em Antares: Uma Crítica Social Fantástica de Erico Veríssimo

Introdução

Incidente em Antares, publicado em 1983 pela Editora Globo, é uma das obras mais emblemáticas de Erico Veríssimo. O livro, que mistura realismo fantástico e crítica social, é ambientado na fictícia cidade de Antares, no interior do Rio Grande do Sul. A narrativa se divide em duas partes principais: a primeira retrata a história da família Campolargo, uma das mais influentes de Antares, enquanto a segunda introduz um elemento surreal quando os mortos de um cemitério se recusam a ficar em silêncio e se levantam em protesto. A obra oferece uma crítica afiada às estruturas de poder, à corrupção e à hipocrisia social, e ao mesmo tempo, explora o absurdo e o cômico da condição humana.

A Crise de Antares

O incidente central da narrativa ocorre em dezembro de 1963, quando uma greve de coveiros impede que sete corpos sejam enterrados. Em um evento surreal, os mortos se levantam e começam a perambular pela cidade, exigindo que suas vozes sejam ouvidas e seus direitos, respeitados. Esse acontecimento provoca uma ruptura no cotidiano de Antares, revelando as tensões e as contradições sociais que permeiam a cidade. O realismo fantástico serve como um artifício literário para expor as mazelas políticas e sociais da sociedade brasileira da época.

Um trecho emblemático dessa parte da narrativa é quando um dos mortos confronta os vivos: “— Na vida, vocês nos ignoraram, nos exploraram. Agora que estamos mortos, vamos fazer barulho até que nos escutem!”
Esse momento captura a essência do protesto dos mortos: uma crítica à desigualdade e à opressão que transcende até mesmo a morte.

O Realismo Fantástico e a Crítica Social

O uso do realismo fantástico em Incidente em Antares é uma das marcas mais fortes da obra. A cidade fictícia é uma representação microcósmica do Brasil, onde as relações de poder, a hipocrisia e a corrupção se manifestam de forma aguda. Os mortos que se levantam do cemitério são, na verdade, uma metáfora poderosa para os “invisíveis” da sociedade — aqueles que são ignorados em vida e que, mesmo após a morte, encontram uma maneira de resistir ao sistema que os oprimiu. Veríssimo utiliza o absurdo para lançar uma crítica à política brasileira, à censura e à ditadura militar, temas que ainda eram sensíveis no contexto da época em que o livro foi publicado.

Uma Obra Dividida em Duas Partes

Incidente em Antares é estruturado em duas partes distintas. A primeira, mais realista, explora a história da família Campolargo, ilustrando as complexas dinâmicas sociais e políticas de Antares. Já a segunda parte, com o incidente dos mortos, traz o elemento fantástico que dá o tom crítico e sarcástico da obra. Veríssimo constrói personagens memoráveis e cenas marcantes, utilizando humor e ironia para enfatizar suas críticas. A dualidade entre o real e o fantástico torna o livro uma leitura rica e multifacetada, capaz de provocar tanto risos quanto reflexões profundas.

Conclusão

Incidente em Antares é uma obra-prima de Erico Veríssimo, que mistura o realismo social com elementos de fantasia para tecer uma crítica profunda à sociedade brasileira. Através do incidente surreal dos mortos que se recusam a ser enterrados, Veríssimo nos faz refletir sobre a injustiça social, a corrupção e a hipocrisia que ainda permeiam muitas esferas da vida pública. Ao mesmo tempo, o autor nos oferece um retrato humano e bem-humorado da luta por dignidade e voz. Para quem busca uma obra que equilibre humor, crítica social e profundidade, Incidente em Antares é uma leitura indispensável.

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